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Primeiras Impressões: o novo God of War é bem Diferente dos anteriores, e isso é ótimo

Logo na primeira cena de God of War, Kratos, o protagonista velho conhecido dos fãs da franquia, encontra-se no meio de uma tarefa que só ele mesmo pode realizar por si próprio. Antes que você imagine coisas, não, no novo God of War não veremos o protagonista fazendo suas necessidades. Na verdade, Kratos utiliza um machado para derrubar uma grande árvore, sem contar com nenhuma ajuda para fazer isso, apesar de não estar sozinho. Ele está acompanhado de Atreus, seu filho pequeno, que apenas observa o pai fazer o trabalho físico sem poder ajudar em muita coisa.

O tronco pesado que Kratos literalmente carrega nos ombros tem uma função importante, mas que não posso descrever neste texto porque isso configuraria um grande spoiler (que acaba desvendado minutos após a cena inicial). Mas trata-se de um dos dois detalhes os quais, por solicitação da Sony, sou obrigado a não revelar sobre a experiência que tive jogando God of War na semana passada, na sede do Santa Monica Studio, em Los Angeles. O outro detalhe a ser omitido diz respeito a uma longa cena de combate entre Kratos e um personagem misterioso, que deve ser mantida às escuras porque, dada a intensidade do encontro, merece mesmo ser abordada sem conhecimento prévio.

O game que será lançado para PlayStation 4 daqui um mês, mais exatamente em 20 de abril, poderia se chamar God of War 4, mas foi batizado “God of War”, sem um número acompanhando, da mesma forma que o primeiro título da franquia (lançado para o PS2 em 2005). “O game se chama God of War meio que para sacanear um pouco o site IMDB, para obrigá-los a colocar o ano ao lado do nome do jogo”, explica brincando Cory Barlog, diretor do game e envolvido com as aventuras de Kratos desde o primeiro título. Em seguida ele esclarece: “Se você nunca jogou um game God of War, esta é a hora perfeita para se envolver. Você não vai sentir como se precisasse jogar os anteriores, porque a história se basta sozinha, ela informa sobre o que é e te conduz pela jornada. O game foi feito para ser uma rota de acesso perfeita para todo mundo.”

Atreus, o companheiro de aventuras

A verdade é que as quase três horas de jogo a que tive acesso (nem dez por cento do total da trama completa) revelam pouco ou quase nada sobre porque encontramos Kratos nessas condições – cansado e envelhecido (a longa barba grisalha impressiona), acompanhado de um filho, armado com apenas um machado Leviathan e escondido no mundo de Midgard como se estivesse exilado. Por muitas vezes, Atreus faz perguntas para as quais o pai não possui respostas. “Eu não sei!”, Kratos exclama a cada questionamento sobre o porquê de certas coisas acontecerem com eles. Kratos, por sua vez, tem a dura tarefa de preparar o filho para encarar desafios, mas a todo tempo repete que o menino “não está pronto”. O que parece é que a relação entre os dois não é exatamente tranquila. Kratos não tem paciência com a paternidade, enquanto Atreus é teimoso e não tem o hábito de respeitar o velho pai o tempo todo. Isso é importante, visto que não há como progredir em God of War sem um trabalho cooperativo constante entre o mestre, Kratos, e o aprendiz, Atreus.

Não há como progredir em God of War sem um trabalho cooperativo constante entre o mestre, Kratos, e o aprendiz, Atreus


Pelo menos na parte inicial da aventura, essa cooperação entre Kratos e Atreus se dá de modo tímido – muito porque o menino “ainda não está pronto”, Kratos pouco depende da ajuda do filho para se safar. Durante certo combate com uma criatura de grandes proporções, Atreus pode disparar flechas para distrair o inimigo (apertando o botão quadrado), dando a Kratos o tempo para encontrar a melhor maneira de revidar. Já em momentos de embates com hordas de inimigos, o garoto serve como recurso importante para desviar a atenção, mas pouco faz diferença, porque ele jamais corre o risco de morrer (pelo menos não nesse início do jogo, pelo que pareceu). Intencionalmente, a presença de Atreus jamais deixa de ser sentida, e o jogo faz questão de mostrar que ela tem utilidade real, tanto na prática como na teoria. Durante batalhas e diante de puzzles, Atreus concede alertas e dicas verbais (com a voz marcante do ator Felipe Volpato); já entre uma batalha e outra, o menino age como um tradutor literal, desvendando e entregando a Kratos informações de certa utilidade. É provável que mais tarde a presença do garoto se torne mais crucial na jogabilidade, na medida em que o enredo se desenrolar e ganhar complexidade.

 

Um novo ponto de vista...e uma nova arma

Essa não é a única grande mudança em relação aos antigos God of War. O novo game inaugura um ângulo traseiro de câmera (ou “por cima dos ombros”, não literalmente), que contrasta com o estilo “terceira pessoa à distância” dos jogos passados. Dessa forma, só enxergamos o que está na frente do nariz pontudo de Kratos, o que representa um problema na hora de enfrentar múltiplos inimigos, mas que pode ser amenizado graças à ajuda sonora de Atreus, que avisa aos berros quando um vilão fora do campo de visão se aproxima pelos lados ou pela retaguarda do pai. Ainda assim, chega a ser chocante presenciar esse novo fator limitador, que pode até desagradar alguns fãs que apreciavam God of War justamente por sua perspectiva tradicional, vista por cima. Apesar da estranheza inicial, a nova visão proporciona uma abordagem mais emocionante dos embates, principalmente contra adversários mais poderosos ou maiores.

O teste realizado em um PS4 Pro em uma enorme tela 4K não deixou dúvidas da riqueza gráfica do novo God of War, com texturas realistas que brilham ainda mais quando o game emenda cenas de ação às cutscenes de modo quase orgânico, sem cortes evidentes. Ainda assim, chega a ser estranho enxergar a figura de Kratos somente sob esse ponto de vista, ainda mais quando percebemos que pouco vemos seu rosto ao longo da jornada somente nas cenas animadas de forte cunho dramático.

Outra novidade, essa não apenas visual, está nas mãos do herói – aqui, sua arma inicial é um machado mágico que pode ser arremessado e que retorna como uma espécie de bumerangue mortal quando atinge inimigos pelo caminho. Os movimentos básicos englobam os botões R1 e R2, sendo o primeiro para golpes ligeiros e o segundo para machadadas mais intensas, podendo ser combinados para compor combos simples. Com o botão L2, Kratos pode mirar onde quer arremessar o machado, que permanece distante enquanto não for evocado com outro botão. O L1 traz o tradicional escudo, que defende e proporciona contra-ataques. É um esquema pouco distante dos games antigos, que deve se tornar ainda mais familiar quando outras armas e poderes se tornarem disponívei.

A verdade é que não me acostumei tão fácil ao esquema de golpear somente com as teclas R,que me pareceu até um desperdício de botões do controle do PS4. Fica claro que partir para o corpo-a-corpo só dependendo dos golpes próximos de machado nem sempre será a melhor estratégia, ainda mais contra inimigos com mais energia, ou quando Kratos se encontra cercado por vários vilões ao mesmo tempo. De vez em quando, a melhor estratégia foi dar vários passos para trás e arremessar o machado e trazê-lo de volta várias vezes para ganhar tempo e conseguir lidar com mais de um atacante por vez. No primeiro grupo de inimigos que encontramos, Kratos não deixa Atreus participar (“você não está pronto!”, ele repete, com o timbre cavernoso perfeitamente adequado do dublador Ricardo Juarez), e senti dificuldades em vencê-los do jeito que normalmente faria em um game God of War – ou seja, partindo para cima e esmagando os botões de ataque quase sem critério e o mais rápido possível. Morri muitas vezes (muitas mesmo) até entender que a melhor estratégia pode ser fugir e esperar a melhor hora para agir.

Foi quando percebi que havia escolhido o modo de dificuldade errado para começar. O jogo apresenta de cara quatro níveis, entre eles um que favorece a história e facilita nos combates (“Quero uma história”), outro que faz exatamente o contrario (“Quero um desafio”) e mais um que propõe uma experiência de equilíbrio entre trama e briga (“Quero uma experiência balanceada”). Mas o que acabei selecionando não foi nenhum desses, mas o “Quero God of War”, que propõe uma jogatina definitiva digna apenas de “um verdadeiro deus”, com toda a complexidade que se espera disso. Quando me dei conta e recomecei o jogo escolhendo a “experiência balanceada”, percebi que estava mais habilidoso com os poderes do machado do que percebia. Ainda assim, me peguei mais vezes planejando meus ataques com cautela ao invés de simplesmente sair batendo nos monstros sem pensar.


“É tudo uma questão de escolha do jogador”, concorda Jeet Shroff, engenheiro-chefe de gameplay, ao explicar que a intenção dos criadores era mostrar que o jogo oferece diversas maneiras de solucionar um confronto, mas sem com isso distanciar muito do que se espera de um autêntico God of War. “Nós não queríamos perder a fluidez do combate, o jeito que um confronto emenda no outro e como o sistema de combos combina os golpes com eficiência”, ele diz. “Mas com certeza existe esse aspecto de este ser um jogo de tática mais focado no combate 'minuto a minuto', em que você pode encontrar as soluções na medida em que elas são apresentadas durante os encontros com os inimigos. Acho que os jogadores vão curtir esse desafio.”

Um ritmo próprio

Mantendo alguns aspectos fiéis a sua essência, o novo God of War não possui um mundo aberto, ainda que reserve vários segredos escondidos para quem se dispor a explorar caminhos alternativos – baús com moedas, colecionáveis e itens que concedem upgrades que podem ser combinados de várias maneiras , adicionando assim um interessante ar de RPG em um nível não visto na série. A narrativa se desenrola com cutscenes integradas ao jogo propriamente dito, trazendo um dinamismo cinematográfico que mantém o jogo em marcha acelerada, algo obrigatório em se tratando de uma franquia conhecida por seu gameplay de ritmo frenético. Mas as coisas estão mais lentas, ou melhor, mas ponderadas neste God of War, o que parece justo, uma vez que Kratos está na meia idade e já não tem o vigor de antigamente.

Nós tivemos de pegar o que é fundamental a God of War e destrinchar completamente”

“Nós tivemos de pegar o que é fundamental a God of War e destrinchar completamente”, explica Jeet Shroff. “Como dar vida à historia que Cory quer contar, baseada na jornada entre Kratos e Atreus, alinhando com os elementos-chave – a câmera por cima do ombro, a presença de Atreus como um personagem-companheiro e a arma diferente? Nós precisamos manter as coisas um pouco familiares e a jogabilidade fluída, mas também precisávamos encontrar maneiras de reimaginar as coisas. Fizemos isso adicionando aspectos de exploração, progressão, upgrade e evolução de personagens e de formas de combate, com elementos leves de RPG.” Todas essas mudanças, de acordo com Shroff, tinham como intenção que God of War pudesse ser capaz de de se encaixar em um gênero inédito e só dele.

“O que conseguimos descobrir nessa visão de Cory é que todos esses elementos devem funcionar juntos para solidificar o fato principal, de que essa é uma jornada de Kratos e Atreus”, o engenheiro chefe conclui. “Então, a relação deles tem que ser sentida pelo jogador durante a narrativa, na solução dos puzzles, na travessia do mundo e durante os combates.”

 

Parece God of War...e é

Um purista poderia dizer que “este não é um God of War” por conta da maioria das mudanças citadas acima. De fato, este é um tipo de jogo bastante diferente, e não fosse pelo personagem principal e a ambientação, essa poderia muito bem ser a descrição qualquer outro game. O fato é que God of War sempre foi tão interessante por sua trama complexa e emocionante como por sua jogabilidade simples baseada em lutas que exigem rapidez e precisão com os botões.

Entretanto, apesar de parte do ato de jogar tenha se modificado substancialmente, este é um game God of War em sua essência, muito porque Kratos, mesmo mais velho, visivelmente abalado e fora de seu ambiente, é carismático o bastante para rapidamente nos envolver em todo drama ao seu redor. E é exatamente na questão da narrativa que se encontra o maior trunfo deste God of War para PS4 – e ele não surge sem emoção.

O fato é que já vimos Kratos passar por maus bocados desde 2005 (a primeira cena é ele tentando se suicidar sem sucesso!), mas jamais presenciamos o espartano tão frágil e vulnerável – e isso nada tem a ver com sua força física, impressionante para um deus grisalho beirando a casa dos 50. A relação com o filho expõe o protagonista de maneira inédita, deixando claros sentimentos de insegurança e empatia raros na trajetória do herói. Ao mostrar que tem dificuldades de cuidar de sua própria cria, penando para equilibrar a firmeza de um mestre com a doçura de um pai, Kratos se abre e se revela humano como nunca – e por conta disso, está mais interessante do que em qualquer história da franquia. Talvez este seja o aspecto que torna este God of War um grande game o fato de sua história e seus personagens importarem tanto ou mais do que o próprio ato de jogar.

Um dos temas desse jogo é a ideia de ter força e ser vulnerável. São conceitos que existem juntos e não se confrontam nem se enfraquecem"

Após descrever com emoção os videogames como “uma forma de arte que transcende as limitações que colocamos em nós mesmos”, o diretor Cory Barlog defende a abordagem mais humana e sentimental para o personagem que criou. “Um dos temas desse jogo é a ideia de ter força e ser vulnerável”, ele explica. “São conceitos que existem juntos e não se confrontam nem se enfraquecem. Se alguém disser que nesse game 'o Kratos está emotivo, fraco' – isso é ridículo. Quando o ser humano experimenta emoções, é vulnerável e demostra, isso não cancela a força, mas faz a força ficar mais forte.”

“Kratos foi criado em um programa de treinamento militar que acreditava que força é somente pura força”, Barlog continua. “A lição que ele tenta ensinar ao filho [ao longo do jogo] é um vestígio desses tempos em que ele fechava o coração para tudo. E foi assim que ele seguiu pela estrada errada, ignorando a dor e passando por cima dela, ao invés de reconhecê-la e entender que somos mais fortes porque experimentamos todas as emoções dos humanos. Eu espero que, se um dia meu filho jogar esse game, ele veja que estou passando essa lição para ele.”

Fonte: IGN Brasil