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A Forma da Água: Onde mora os monstros, REVIEWS
O estranho pode parecer bonito aos olhos mais dispostos. Alguns seres, atraídos pelos próprios desajustes, são capazes de unir diferenças para se fazerem iguais. Em a Forma da Água, temos um vislumbre dessa situação, e é pelos tanques repletos de musgos e corredores frios de um laboratório do governo que a cumplicidade e a tolerância encontram espaço para florescer.
Para quem tem O Labirinto do Fauno entre um de seus filmes preferidos, um novo longa assinado por Guilhermo Del Toro gera grandes expectativas. Aclamado pela crítica após vencer o Festival de Veneza de 2017 e, recentemente, ser indicado em 13 categorias do Oscar 2018 incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original , A Forma da Água carrega muito peso nos ombros. Mas, apesar disso, consegue se desenrolar de forma leve. Uma leveza difícil de categorizar, mas que tentarei fazer abaixo.
Seguindo religiosamente a mesma rotina, a faxineira Eliza (Sally Hawkins) trabalha em um laboratório do governo dos Estados Unidos, durante o auge da Guerra Fria. Ela, e sua companheira de trabalho, Zelda (Octavia Spencer) que, no laboratório, funciona como a voz de Eliza, já que a mesma é incapaz de falar por conta de um ferimento na infância , são surpreendidas quando o local recebe uma criatura anfíbia (Doug Jones) original da América do Sul, capturada para estudos científicos e serventia na corrida armamentista. Fascinada com a criatura, Eliza cria um vínculo com o “monstro” e se convence a libertá-lo do local.
O roteiro da trama (uma parceria de Del Toro com Vanessa Taylor) pincela o cenário de desigualdades entre as classes econômicas e sociais na época, o preconceito vigente e a futilidade do American Way of Life para a fantasia que se desenvolve ao redor. Ao lado de Eliza, seu vizinho e cúmplice Giles (Richard Jenkins) e Zelda compõe um grupo de renegados da sociedade, que se unem pela troca de respeito, tolerância e companhia. Zelda passa os dias tagarelando em meio ao silêncio de Eliza, proporcionando boas doses de alívio cômico à trama. Já o solitário Giles aproveita a companhia da vizinha para exaltar a arte do cinema, buscando nas telas uma sensibilidade que os tire momentaneamente da vida cotidiana e lúgubre de seus apartamentos.
Acompanhar o desabrochar de Eliza é uma experiência curiosa. Conforme a “princesa” estreita sua relação com a “fera”, ela intercala doçura e ingenuidade com uma postura incisiva e convicta. E aqui vale ressaltar a interpretação genial de Sally Hawkins que, apesar de não ter o uso vocais ao seu dispor, se expressa de maneira intensa e totalmente clara a quem está do lado de cá da tela.
Os contrastes também se formam entre o romantismo das fantasias de Eliza e a sexualidade aflorada tal qual a da criatura. E, apesar da bizarrice da situação, pode-se dizer que a interação entre os dois flui de forma natural.
A moça, em uma confiança quase cega, oferece à criatura uma de suas maiores paixões: o apreço pela arte. Por meio de encontros noturnos regados a ovo cozido e música, Eliza se entrega à dança sob os olhos curiosos do ser, conquistando sua confiança e nutrindo uma estranha forma de amor.
Como todo conto de fadas apresenta um vilão, a presença do doutor Hoffstetler (Michael Stuhlbarg) poderia cumprir este papel. Sádico, abusivo e o principal entusiasta em pôr fim na criatura, Hoffstetler se baseia pelo prazer puro do sofrimento alheio. É ele quem detém a cota de selvageria do filme – em total oposição à criatura capturada, que, de forma até incoerente, se mostra dócil em boa parte do tempo.
Assim, Del Toro apresenta uma trama onde a grande ameaça não vem de um vilão genérico, muito menos de uma criatura a ser domesticada. A Forma da Água questiona o que de fato nos torna humanos e o que nos difere dos reais monstros da história. O caminho percorrido até aí é envolvente, mas o desfecho acelerado, no entanto, me desconectou mais cedo do que eu gostaria da relação entre a princesa e a criatura na qual eu estava pronta para mergulhar ainda mais.
O VEREDICTO
Acompanhar o desabrochar de Eliza é uma experiência curiosa. Conforme a “princesa” estreita sua relação com a “fera”, ela intercala doçura e ingenuidade com uma postura incisiva e convicta. E aqui vale ressaltar a interpretação genial de Sally Hawkins que, apesar de não ter as palavras vocais ao seu dispor, se expressa de maneira intensa e totalmente clara a quem está do lado de cá da tela.
Fonte: IGN Brasil