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Máquina por trás da 'partícula de Deus' está em busca de matéria escura

Dez anos atrás, uma equipe operando o maior acelerador de partículas do mundo fez história ao descobrir o Bóson de Higgs, algo fundamental para entender a criação do universo, e que ganhou o apelido de “partícula de Deus”.

Depois de uma pausa de mais de três anos para melhorias, o acelerador, administrado pela Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN, na sigla em francês), está coletando dados novamente. Desta vez, o objetivo é provar a existência de outra substância misteriosa – a matéria escura.

Embora grande parte dos cientistas acreditem na existência da matéria escura, ninguém até hoje conseguiu vê-la ou criá-la. A coleta de dados e os aprimoramentos de potência realizados no acelerador de partículas, chamado Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), poderiam proporcionar aos pesquisadores uma de suas melhores chances de visualizar e entender a substância.

“Se pudermos descobrir as propriedades da matéria escura, descobriremos do que nossa galáxia é feita”, disse Joshua Ruderman, professor de física da Universidade de Nova York. “Seria revolucionário.”

A matéria escura fascina os físicos há décadas. Muitos acreditam que ela constitui uma parte significativa do universo, e aprender mais a respeito dela pode dar pistas de como o universo surgiu.

Todas as estrelas, os planetas e as galáxias do universo representam apenas 5% da matéria presente nele, de acordo com os cientistas do CERN. Acredita-se que cerca de 27% do universo sejam compostos de matéria escura, que não absorve, reflete ou emite luz, o que torna extremamente difícil de detectá-la. Os pesquisadores dizem que ela existe porque viram sua força gravitacional em objetos – e testemunharam como isso ajuda a distorcer a luz.

Eles estão na expectativa de que o LHC possa ajudar. O acelerador foi construído ao longo de uma década pela Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear para ajudar a responder questões pendentes da física de partículas. O aparelho está localizado a aproximadamente 100 metros abaixo do solo, em um túnel perto da fronteira franco-suíça e da cidade de Genebra. Sua circunferência se estende por quase 27 quilômetros.

Dentro do acelerador, os ímãs supercondutores são refrigerados até aproximadamente 271 graus Celsius negativos – mais frio que o espaço – enquanto dois feixes de partículas viajando próximo da velocidade da luz são colididos. Usando sensores e monitores avançados, os cientistas analisam as substâncias criadas por essas colisões, que reproduzem condições semelhantes ao Big Bang. Isso permite que eles aprendam sobre os primeiros momentos do universo.

O aparelho começou a funcionar em setembro de 2008, mas foi desligado várias vezes para melhorias. Nos últimos três anos, os engenheiros otimizaram o acelerador para que ele possa detectar mais dados e funcionar em velocidades mais altas. Agora, o acelerador pode funcionar em seu maior nível de energia de todos os tempos: 13,6 trilhões de elétron-volts; permitindo que os cientistas executem experimentos maiores e mais complexos que poderiam render novas perspectivas para a física de partículas.

“Este é um aumento significativo”, disse Mike Lamont, diretor de aceleradores e tecnologia do CERN. “Abre caminho para novas descobertas.”

No início do universo, as partículas não tinham massa, por isso os cientistas há muito questionam como as estrelas, os planetas e as formas de vida surgiram. Em 1964, os físicos François Englert, Peter Higgs e outros teorizaram que um campo de força deu massa às partículas quando elas se conectaram, mas não conseguiam documentar a existência do sistema.

A descoberta da partícula do Bóson de Higgs, uma parte do campo de força hipotético, rendeu a Englert e Higgs um prêmio Nobel de Física.

A partícula fascinou cientistas, assim como o público em geral. O CERN e o acelerador são apresentados com destaque no livro de Dan Brown e no filme que adaptou o romance e leva o mesmo nome “Anjos e demônios”.

Mas agora os pesquisadores querem responder a perguntas mais inquietantes, sobretudo aquelas envolvendo a matéria escura.

Durante o experimento de quatro anos do LHC, os cientistas esperam encontrar evidências de matéria escura. Conforme ligam a máquina, os prótons giram quase na velocidade da luz. A esperança, segundo os pesquisadores, é que, quando colidirem, criem novas partículas que se assemelhem às propriedades da matéria escura.

Eles também esperam aprender mais a respeito de como a partícula de Bóson de Higgs se comporta. Na terça-feira, logo após o acelerador começar a coletar dados, cientistas do CERN anunciaram ter encontrado três novas partículas “exóticas” que poderiam dar pistas de como as partículas subatômicas se conectam entre si.

“Os aceleradores de alta energia continuam sendo o microscópio mais poderoso à nossa disposição para explorar a natureza nas menores escalas e descobrir as leis fundamentais que governam o universo”, disse Gian Giudice, chefe do Departamento de Teoria do CERN.

Ruderman, da Universidade de Nova York, disse que a jornada do CERN para aprender sobre a matéria escura e explicar as origens do universo faz com que ele aguarde ansiosamente os resultados do experimento. A pesquisa o entusiasma bastante. “Essa é minha razão para acordar pelas manhãs”, disse ele.

Assim que os dados começarem a ser produzidos a partir do experimento, Ruderman irá verificar se estão surgindo novas partículas. Mesmo que isso aconteça, será difícil dizer de imediato se é matéria escura ou não.

Primeiro, será preciso avaliar se a partícula em questão emite luz. Caso ela emita, isso torna menos provável que seja matéria escura. Em segundo lugar, a partícula deve exibir sinais de existir há bastante tempo e não se decompor imediatamente, uma vez que a matéria escura deveria, em teoria, ser capaz de durar bilhões de anos. Eles também esperam que a partícula se comporte de forma semelhante às teorias atuais a respeito da matéria escura.

Ruderman disse que pode levar mais de quatro anos para se fazer a descoberta.

Se os cientistas do CERN não descobrirem matéria escura nos próximos quatro anos, eles têm mais atualizações em desenvolvimento. É provável que as melhorias demorem três anos depois das últimas pausas, deixando a quarta rodada de coleta de dados e experimentos com início previsto para 2029.

Como planejado, a tentativa poderia coletar dez vezes mais dados do que os experimentos anteriores, de acordo com o site do CERN. Mas desvendar os segredos do universo não é simples.

“É difícil e é algo que poderia levar uma vida inteira de pesquisa”, disse Ruderman. 

Fonte: Estadão