Economia e Negócios
Como a indústria do Brasil se transformou em três décadas e o que ainda falta
Desde o final dos anos 1990, o ingresso de dólares via exportação de produtos transformados cresceu, porém em ritmo inferior ao do agro e ao da indústria extrativa e com uma mudança de perfil que precisa ser repensada, alertam especialistas
que a indústria do Brasil mais transformou nas últimas três décadas foi o seu próprio perfil. Antes bastante associada a veículos, agora tem como traço mais marcante os alimentos. A indústria da transformação cresceu em volume de dólares trazidos ao País desde 1997, ainda domina as exportações, mas está perdendo protagonismo para o agro e para as matérias-primas extrativas, como o petróleo e os minérios - mostram gráficos elaborados pelo Estadão a partir do cruzamento de estudo de pesquisadora, dados do governo e informações de entidades do setor.
Mais importante do que pensar na fatia de mercado, segundo especialistas, é rever a estratégia. Não apenas em busca de se tornar mais competitivo no comércio exterior com uma variedade maior de produtos, mas também para aproveitar as vantagens do País na corrida da transição energética.
As fontes renováveis em expansão fortalecem o Brasil tanto em seus processos produtivos - e a indústria é o setor que mais demanda energia - quanto na oportunidade de abrir novos mercados, diz Gustavo Bonini, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O Brasil é líder em energia renovável (1º em hidrelétrica e já um dos 6 maiores em solar) em um momento em que consumidores em outros países pedem produtos com menores emissões de carbono. “Temos o que o cliente final quer: a descarbonização”, resume Bonini.
O que o Brasil exportaAlimentos, petróleo e minérios predominaram nas cargas enviadas ao exterior entre janeiro e outubro deste ano.
É preciso ser mais competitivo até porque crescente adoção de políticas protecionistas vai desacelerar o comércio global, alerta a pesquisadora Lia Valls Pereira, autora de estudo com a base de dados Icomex do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) utilizados nesta reportagem especial.
“É preciso ser feita uma política de Estado, e não de governo. Voltada para a melhoria da infraestrutura, da mão de obra, da digitalização. Temos de olhar para as nossas prioridades”, disse Lia Valls Pereira no Fórum Estadão Think - Do Brasil para o mundo: Desafios para a nossa inserção global, no dia 12, na Fiesp.
Exportação de produtos transformadosNo período entre 1997 e 2023, a expansão da indústria de alimentos se destaca.
Antes mesmo de a onda protecionista de se agigantar, o País já vive um descompasso entre a sua produção e a sua exportação. “A inserção da indústria no comércio internacional está aquém do seu potencial”, diz Constanza Negri, gerente de Comércio e Integração Internacional da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “A participação do Brasil nas exportações de bens da indústria de transformação é consideravelmente inferior à relevância do País na produção mundial do setor.”
Em 2023, os bens da indústria de transformação colocaram o Brasil em 16º lugar no ranking de produção (em 2003, o País era o 10º) e apenas em 30º no de exportações (20 anos antes, era o 23º).
Principais destinosMesmo com o aumento da relevância da China e da União Europeia ao longo de 20 anos, os EUA são o principal endereço para as exportações brasileiras da indústria da transformação
“Para retomar um crescimento econômico que gere mais empregos e renda, é essencial avançarmos em uma agenda estratégica de competitividade e integração internacional, capaz de reverter a tendência de desindustrialização acelerada e de primarização da pauta exportadora”, destaca Constanza.
“Apenas cerca de 1% das empresas brasileiras participam atualmente do mercado exportador”, observou no Fórum Estadão Think a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Tatiana Prazeres.
Com o objetivo de aumentar o porcentual, o governo lançou a Política Nacional de Cultura Exportadora (PNCE), com envolvimento dos Estados e de entidades de apoio “para ajudar empresas com potencial e maturidade exportadora a alcançar o mercado externo”.
Com política mais ampla, participação de instituições do setor e metas até 2033, o governo lançou em 22 de janeiro o Nova Indústria Brasil (NIB). Como ilustram os gráficos desta reportagem, o desafio não é pequeno: resgatar a produção nacional de um quadro crônico de declínio em segmentos de alta tecnologia, para passar a ser, além de uma potência de alimentos e commodities, um País com indústria mais diversificada e competitiva.
Fonte: Estadão