Esporte
Após ver seu pai morrer, Luiz Killer segue passos de Wand no MMA e quer conquistar o Japão

Luiz Gustavo Felix dos Santos tinha apenas 14 anos quando viu a morte de perto. Muito perto. Seu pai, caído à sua frente, vítima de tiros nas costas, disparados por um ex-sócio, na porta de sua casa.
- O cara foi bêbado lá na frente da minha casa, e deu dois tiros no meu pai, eu vi tudo! Meu pai ficou uns dois meses internado, não melhorava, e no Natal ele faleceu! No dia do Natal. Cinco pra meia-noite, ligaram do hospital dizendo que ele tinha falecido - conta o jovem curitibano.
Naquele dia, Luiz Gustavo prometeu realizar um sonho dividido por ele e por seu pai: se tornar um campeão de MMA. A referência era o principal ídolo do garoto, outro curitibano que conquistou o mundo através da luta: Wanderlei Silva.
Oito anos depois, o menino está bem encaminhado. Guiado pelo próprio Wand, está invicto no MMA, venceu sua estreia no Rizin Fighting Federation - evento "herdeiro" do Pride - e, no próximo domingo, faz sua segunda luta no Japão, em busca de uma disputa de cinturão.
Esta é a história de Luiz Gustavo Killer:
Conexão através da luta
As origens da carreira de Luiz Gustavo nas artes marciais estão enraizadas lá atrás, na infância. Ainda menino, ele herdou a paixão por lutas do pai, Luiz Marcelo, com quem acompanhava os eventos do Pride pela TV. Um lutador de Curitiba que reinou no extinto evento japonês capturou a imaginação do jovem Gustavo.
- Eu via o Wanderlei Silva, né. Poxa, sou fãzaço do Wanderlei! E eu via com meu pai. O primeiro cara que eu vi lutar foi o Wanderlei. Queria ser igual a ele - conta.
Quando Luiz Gustavo fez 12 anos de idade, Marcelo enfim atendeu os pedidos do filho e o levou para praticar luta. Ele começou no caratê, num projeto social em Colombo-PR, mas não gostou muito. Após um ano, desistiu e insistiu para o pai levá-lo para o muay thai. Em pouco tempo, já demonstrava aptidão para aquilo e, mesmo ainda sem competir, virou motivo de orgulho de Luiz Marcelo.
- Ele via o treino, ficava comigo e me incentivava... "Puxa, que legal, meu filho treinando", e eu nem fazia nada, só chutava colchonete e ele ficava todo cheio já! Normal de pai, né. Minha mãe falava, "Todo roxo, 'tá' todo quebrado, todo dia, Gustavo..." E meu pai amarradão! Falava para os amigos dele - "Meu filho luta", mas nem lutava, né, só chutava colchonete e batia manopla! Mas para o pai aquilo é coisa grande!
O tempo para demonstrar o orgulho pelo garoto por perseguir aquele sonho, contudo, durou pouco. Três meses depois do primeiro treino de Luiz Gustavo, um ex-sócio de seu pai apareceu na porta da casa da família. Marcelo havia cobrado uma dívida de cerca de R$ 10 mil, e seu ex-sócio não estava nada satisfeito. Bêbado, discutiu com o pai de Gustavo e disparou dois tiros: um no lado do corpo e o segundo, com Marcelo caído, nas costas. O garoto, que aparava a grama do jardim naquele momento, presenciou tudo, e ainda viu o assassino apontar a arma para ele e sua mãe antes de ir embora.
- Ele fugiu e falou que foi por (auto) defesa, mas defesa ir lá na minha casa? Se defender como? Foi lá em casa, deu dois tiros nas costas do meu pai! Até hoje está solto, fizeram p*** nenhuma... Fazer o que, né? Está em processo ainda. Há oito anos em processo, e não sai nada, não sai nada. A justiça que a gente tem, né.
Promessa e percalços pelo caminho
Luiz Marcelo foi para o hospital e ficou dois meses internado. Viria a falecer em 25 de dezembro, dia do Natal. No leito de morte, Luiz Gustavo fez uma promessa ao pai: "Vou me tornar o melhor, quero ser o melhor, quero ser igual ao Wanderlei Silva!”
No entanto, demorou para que o menino seguisse de fato esse caminho. Os primeiros meses de luto não foram de luta, mas de extravasar.
- Os primeiros seis meses, eu fiz m***! Revolta. Quando meu pai faleceu, eu prometi: "Vou dar um lugar para minha família, vou dar o sangue meu." Mas os seis meses, eu não acreditava, cara! Não acreditava que meu pai estava ali e de repente não estava mais. Não acreditava. Bateu revolta, ficava na rua até tarde, não estava nem aí para horário, f***-se, fiz de tudo. Aí um dia, eu vi minha mãe chorando. Falei, "Puxa, cara, estou jogando minha vida no lixo. Tudo que eu prometi para o meu pai, não estou fazendo p*** nenhuma disso. Não. Vou me dedicar, vou dar uma vida melhor, vou fazer de tudo." E foi aí que eu mudei - lembra.
Mas o que pode um menino de 14 anos fazer para melhorar a vida de uma família de uma mãe e três filhos? Luiz Gustavo passou a cortar a grama dos vizinhos por dinheiro, arar terra. Com 15 anos, virou segurança de casa noturna. Trabalhou em depósito, transportando caixas. Tudo isso sem parar de treinar. A rotina se dividia entre treinos pela manhã, estudos à tarde e trabalho pela madrugada.
Nasce o Killer
Foi também aos 15 anos que Luiz Gustavo conheceu André Dida, mestre da equipe Evolução Thai. O menino começou a treinar muay thai na sua academia e a observar seu ídolo, Wanderlei Silva, treinando no mesmo ambiente. Foi um estímulo a mais para ele, que tentava imitar tudo que o "Cachorro Louco" fazia nos treinamentos. Ao mesmo tempo, Dida e Wand começavam a ver a dedicação que o menino demonstrava na academia e o potencial que ele tinha. Até arrumaram um emprego numa churrascaria para auxiliar na renda familiar do garoto.
- Colocamos ele pra servir uma carne, ele servia a carne tudo errado, não sabia servir a carne... Mas comia lá no restaurante - rememora Wanderlei.
Magrinho, com apenas 65kg de peso, Luiz Gustavo foi apelidado inicialmente de “Pirulito”, nome nada convencional para um lutador. Ele fez sua primeira luta profissional de MMA em agosto de 2014, aos 18 anos de idade. No ano seguinte, viriam mais duas vitórias. Depois, três vitórias em 2016. Todas por nocaute ou finalização, nos dois primeiros rounds. O instinto de terminar lutas rápido acabou inspirando sua nova alcunha, dada por Dida: Killer, ou "matador" em inglês.
A ironia do nome não passa despercebida por Gustavo. Ele abraça o termo, e alia sua experiência traumática aos seus desejos e sonhos para motivá-lo nos cages e ringues.
- Eu dedico minha vida a matar tudo o que eu tenho medo, matar tudo o que eu passei. É difícil apagar tudo o que eu passei, mas eu uso isso na minha vida, na minha carreira. É muita revolta, ter acontecido e ninguém ter ajudado, de não ter conseguido pagar as coisas. Isso motiva a gente. Vou lutar, vou ter que matar esse cara, esse cara quer ganhar meu sonho! Quer machucar minha família, quer meu apartamento, meu dinheiro, me deixar mal! Eu sou o Killer, eu vou matar. Eu vim para fazer justiça. A vida tirou o meu chão, então agora eu quero construir esse chão de ouro. Quero tudo que a vida pode me dar do bom e do melhor, para mim e minha família. O cara me tirou o que tinha de mais precioso, que era o meu pai. Agora eu quero tudo!
Oportunidade no Japão
Killer tinha oito vitórias em oito lutas e se preparava para lutar no evento nacional Katana Fights quando surgiu a chance de sua vida. O Rizin Fighting Federation, organização japonesa de MMA liderada pelo ex-presidente do Pride, precisava de um adversário para o peso-leve Yusuke Yachi na luta principal de seu 12º evento. Yachi era um destaque local, com 20 vitórias e apenas cinco derrotas no cartel, incluindo triunfos sobre os ex-UFC Daron Cruickshank, Takanori Gomi e Diego Nunes - este último, companheiro de equipe de Luiz Gustavo.
Noboyuki Sakakibara, presidente do Rizin, recorreu a Wanderlei Silva para indicar um nome para enfrentar Yachi. Apesar de o japonês ser peso-leve (até 70kg), uma categoria acima da de Killer (peso-pena, até 66kg), o jovem curitibano pediu pela oportunidade, e Wand decidiu arriscar.
- O Dida não queria colocar ele, falou, "Não, ele está muito novo ainda, está muito magrinho". Ele luta no 66kg, o cara luta com 70kg, quatro quilos nessa categoria dá muita diferença. Aí eu falei, "coloca o Killer". O evento no Japão falou, "Está 50% de chance de colocar o Killer, porque o cara é um grande ídolo, o Killer é um cara novo, é desconhecido." Para o evento, não é interessante. Aí ele falou, "50% de chance de colocar ele, mas se você vier, a gente bota ele". Então eu vou (com ele). Porque eu tive essa chance lá atrás também. Eu tive alguém que me levou, que me botou no evento. Aí, dentro do ringue, é você que tem que mostrar serviço - explica Silva.
E Killer mostrou serviço. Fez luta dura contra Yachi, não recuou, trocou abertamente, estilo “Cachorro Louco”. Quebrou a mão direita, mas valeu a pena: foi no cruzado de direita que nocauteou o ídolo local, aos 2m32s do segundo round.
- A luta foi exemplar. Fazia tempo que eu não via um atleta brasileiro ir como azarão e ter uma performance tão desparelha com um cara campeão local. Foi muito bom - diz, orgulhoso, o mestre.
Foi emblemático para Killer. Ele foi carregado nos ombros por Wanderlei e Dida, seus ídolos. Além disso, a luta aconteceu em 12 de agosto de 2018, Dia dos Pais.
- Quem diria que eles iriam me carregar no colo! Literalmente, me carregar no colo no ringue! Isso foi do caramba, isso não tem dinheiro que pague! E eu lutei bem no dia dos pais, dia 12! Falei, "Cara, essa vitória vai ser para meu pai com certeza, quero quebrar esse cara. Não tem outra coisa para eu fazer senão quebrar esse cara", e foi o que aconteceu. A vitória foi para ele - diz o lutador.
Foi só o começo. No próximo domingo, Luiz Gustavo Killer tem um novo desafio na organização japonesa: Mikuru Asakura, dono de um cartel de nove vitórias e apenas uma derrota no MMA profissional. Desta vez, a luta é mais próxima de sua categoria natural, em peso-casado de 68kg.
- Eu vou me tornar igual ao Wanderlei, fazer história. Dominar aquilo lá, virar o rei. Agora é minha nova geração, o Wanderlei reinou lá por muito tempo, agora é minha vez. De Curitiba, no Japão. Quero fazer meu nome lá. Ganhei do número 1, o japonês que ninguém ganhava, e chegou eu lá. Chutei ele de lá e falei, "sai daí que esse é meu lugar." Estou com 22 anos, e não é uma coisa do dia para noite que eu construí, isso é oito anos trabalhando duro. Eu vou fazer história aqui. Quero o cinturão já.
Conquistar o título, no entanto, é apenas mais um passo para o objetivo maior do curitibano: dar à sua família a vida que seu pai não pôde dar.
- O maior sonho da minha vida é dar uma casa para minha mãe. Não é um sonho, já é um objetivo. Já coloquei no papel. Comprar uma casa e chegar para minha mãe, "Ó mãe, essa é a chave do apartamento para você e para os meus irmãos." Poder tirar ela do trabalho. Cara, isso vai ser do c***, vai ser sinistro. Eu luto por eles, por mim e por eles. Tudo que a gente passou, a gente não merece passar por tudo isso e continuar, trabalhar de segunda a sábado e só curtir o domingo, minha família não merece isso. Eu não mereço isso. Nem f***. Eu mereço muito mais. Meu sonho, meu objetivo é chegar com a chave e, "Mãe, essa é a sua chave do apartamento. Pode sair do trabalho, larga tudo, pode viver agora sua vida de rainha, que você merece".
Fonte: Combate